Tanta gente aí esperando
ansiosamente para ver o que a vida oferece, só que não sai de casa, e quando
sai, não tem o olhar curioso nem o espírito aberto para receber o que ela traz.
Infelizmente, já não caminhamos
pela rua, a não ser num ritmo acelerado, com trajeto definido e com o intuito
de queimar calorias. Marchamos rumo a um melhor condicionamento físico, o que é
um belo hábito, mas flanar, não flanamos mais. Não passeamos. As ruas estão
esburacadas, há muitas ladeiras, o trânsito é barulhento e selvagem,
compreende-se. Mesmo assim, a despeito de todos os inconvenientes, é preciso
dar uma chance à vida, colocando-nos à disposição para que ela nos surpreenda.
Ao sair sem pressa, paramos numa
banca de revistas e descobrimos uma nova publicação. Dizemos bom dia para o jornaleiro e ele, gentil, nos troca uma
nota de valor alto. Na calçada, encontramos um velho amigo. Ou um artista
famoso. Ou alguém que sempre nos prejudicou e hoje está mais prejudicado do que
nós, bem feito.
Na rua, pegamos sol. Paramos para
tomar um suco de maracujá com maçã. Flertamos. Um novo amor pode surgir de uma
caminhada tranquila numa rua qualquer. E uma nova proposta de trabalho pode
surgir de um esbarrão num ex-colega: estava mesmo pensando em te procurar,
cara! Se continuasse apenas pensando, nada aconteceria.
Na rua, o jeito de se vestir de
uma moça inspira a gente a resgatar uma jaqueta que não usávamos mais. Bate de
novo a vontade de ter um cachorro. Descobrimos que é hora de marcar um exame
minucioso no joelho direito, por que ele incomoda tanto?
Encontramos umas amigas num bistrô
e paramos um instantinho para conversar, e então ficamos sabendo de uma
exposição que não se pode perder. Passamos por uma livraria e damos mais uma
namoradinha num livro que nos seduz. Ajudamos uma senhora que está saindo com
várias sacolas de um supermercado, não custa dar uma mão. Aceitamos o folheto
entregue por um garoto na esquina, anunciando uma cartomante que promete trazer
seu amor de volta em 3 dias.
Você joga o folheto no lixo, e não
no meio-fio. Você compra flores para sua casa. Você observa a fachada antiga de
um prédio e resolve voltar ali com uma máquina fotográfica. Você entra numa
igreja, não fazia isso há anos.
Reencontra um ex-namorado que
passa de carro e lhe oferece uma carona. Você nem tinha percebido como havia
caminhado e como estava longe de casa. Aceita a carona. Um novo amor não
surgiu, mas seu antigo amor foi resgatado em menos de 3 dias, nem precisou de
cartomante.
Pode nada disso acontecer, óbvio.
Mas sem dar uma chance à vida é que não acontece mesmo.
Martha Medeiros